domingo, 23 de março de 2014

Presente requentado

Há dois anos escrevi este texto no aniversário de Florianópolis.
Como pouca coisa mudou, acho que posso repetir meu presente...

Pra ti, Florianópolis

Neste dia em que dizem ser teu aniversário, eu quero te desejar tudo de bom.
Tu que a todos acolhes, embora de maneira muito diferente; alias, há muito tempo tu fazes isto; desde o tempo em que teus governantes expulsaram os pobres do Rio da Bulha até hoje quando ignoras muitos deles morando nas mais de sessenta favelas que estão em teu território. Mas acho que não és tu que ignoras os pobres, pois eles também são Florianópolis; é Floripa, este apelido que te deram para atrair turistas e que justifica tantas ações em teu nome. Aliás, não quero te ver tratada por Floripa; marketing de segunda categoria não combina contigo; não precisas, tens essência, tens povo, tens identidade, e isso tudo desde sempre, Florianópolis. Também não és mais Desterro, pois encontramos em ti a terra para viver.
Felicidades por teu aniversário, mas desculpe pelo desleixo com o qual és tratada: como tuas lindas praias podem estar poluídas e a empresa pública responsável por teu saneamento ter lucro e o distribuí-lo para seus diretores? Como pode teu território continuar sendo ocupado sem um mínimo de planejamento, deixando que cada nova ideia, muitas vezes pouco pensada, se instale de maneira irreversível como a Estação de Tratamento de Esgoto na tua sala de visita ou um sistema de ônibus ineficiente e caro?
Não nos queira mal, mesmo que sobre teu território alguns rasguem notas de dinheiro e joguem espumantes caríssimos fora como signo de riqueza (pobres almas), quando tantos nada comem sobre este mesmo território; não nos queira mal mesmo que cubram teus cursos d’água e digam que as enchentes são por causa da chuva intensa; não nos queira mal mesmo que ideias (e obras) mirabolantes te afastem do mar como um aterro em teu centro histórico; não nos queira mal mesmo se a administração municipal ignore aqueles que vivem em teus distritos e clamam por espaços públicos, ciclovias, segurança e melhores condições para se locomoverem.
Te amo Florianópolis; não sou do contra; sou a favor que continues bela e atraente com tua silhueta de mulher curvilínea e não retificada por muros de arrimo.
Te amo Florianópolis e quero te ver sendo construída, mas de outra forma: favorecendo o encontro das pessoas e mostrando que a diferença é riqueza social e não justificativa de segregação.
Te amo Florianópolis com todos os teus sotaques, todas as tuas cores, todas as tuas formas de ver o mundo.
Estes são os votos de quem te conhece desde que nasceu na periferia de teu centro (como tantos outros), de onde, de um ponto de vista privilegiado, pôde ver tua transformação: viu primeiro a prainha onde brincava se encher de areia branca e lodo, vindo do fundo do mar da baía sul; viu a água ficar mais longe e as regatas a remo desaparecerem, assim como os grito das torcidas do Riachuelo, Aldo Luz e Martinelle. Depois viu surgir muitos campos de futebol de areia, espontaneamente, apropriados pela população; mas as estradas precisaram ser construídas e eles também desapareceram, como a favela do Sete, o galpão dos Tenentes do Diabo e parte da quadra de esporte da Escola Básica Celso Ramos onde eu estudava.
Lá no centro também muito coisa desapareceu, mas isto eu só fui entender muito tempo depois.
Que teu futuro nos pertença.


Elson Manoel Pereira
(a Prainha onde eu morava)

sábado, 22 de março de 2014

Série Análise do Novo Plano Diretor: Plano Diretor judicializado: por que não acreditar na participação?

Temos acompanhado a revisão do plano diretor desde agosto de 2006; a partir daquela data, fizemos parte do Núcleo Gestor  como representante da UFSC. Ao lado de muitos companheiros, procuramos ser um elo entre o pensamento da universidade e a questão urbana de Florianópolis; um grupo, no interior do campus, organizou eventos, promoveu reuniões, sistematizou conhecimentossobre o território municipal acreditando que poderia contribuir com o novo plano. Outros grupos também fizeram isto, tanto aqueles que representavam instituições,tanto aqueles que representavam os diversos distritos. A experiência participativa na capital, tinha um desenho diferenciado que unia uma representação transversal ao território (representantes do poder público e das entidades) a uma representação territorializada por área do município. Paralelamente aos trabalhos do Núcleo Gestor, reuniõesmultiplicavam-se. A participação crescia.
Faltou, no entanto, já no governo Berger, o executivoacreditar que desta participação pudesse surgir um bom plano para a cidade. Ou melhor, o plano que estava nascendo dessa participação não correspondia àquilo que o poder público da época queria e este contratou uma empresa estrangeira para elaborar outro plano. Era o primeiro impasse.
Muitos impasses seguiram-se; mudou o prefeito, mas a crença na participação continuou em segundo plano. Um terceiro plano surgiu em agosto de 2013; ele ficou desconhecido até o momento de sua publicação em Diário Oficial, quando já estava aprovado; veio a luz sem gestação ou com uma gestação muito rápida, sem sequer estar pronto em seu detalhamento final.
Hoje percebemos que ele tem alguns pontos positivos; que ele apresenta elementos que os distritos apontaram (embora não contemple igualmente outros); gostaríamos de tê-lo acompanhado mais de perto, assim como fizemos no início do processo em 2006, mas não nos foi dada a condição. Parece que o executivo não acreditouou, por alguma razão, temeu a participação....
 

quarta-feira, 12 de março de 2014

Série Análise do Novo Plano Diretor: O plano diretor no Continente

Sobre o novo plano diretor aprovado na Câmara no começo de 2014, podemos tecer as seguintes considerações em relação ao Continente:
podemos dividir esta parte do município em dois setores distintos em relação a lei de uso e ocupação do solo: uma ao sul e outra ao norte da Via Expressa (BR 282). A parte ao sul tem uma ocupação prevista menos densa, respeitando a predominância das residências unifamiliares nos bairros do Bom Abrigo e Itaguaçú, embora reforce um eixo misto (com predominância do uso comercial) formado pelas ruas  João Meirelles, Des. Pedro Silva e Eng. Max de Souza. Ladeando a via expressa, o gabarito alcança 12 andares no lado sul e dezesseis andares no lado norte da via; além disto, uma emenda apresentada suprime uma AVL ao lado do conj. habitacional João Meirelles e transforma-a numa Área Mista de Serviços com até 8 pavimentos.
No lado norte da via expressa, que engloba os bairros do Estreito, Capoeiras, Balneário, Jd. Atlântico, entre outros, a previsão é de um grande adensamento construtivo, com índices urbanísticos muito permissíveis, não acompanhados de previsão de infra-estrutura compatível. Além do eixo fortemente verticalizado ao longo da via expressa, há predominância de gabaritos de 12 e 8 andares, principalmente nos bairros Canto, Coloninha e Jardim Atlântico. Em termos de melhoria do sistema viário, pouca coisa é prevista, como por exemplo a manutenção da previsão da CC-2 que ligará a parte da PC-3 construída com a rua Nagibe Jabor ou a continuação da Beira-Mar continental
O plano não prevê outra ligação ilha-continente nem a construção de sistemas de vias exclusivas para ônibus
As emendas apresentadas ao plano foram nocivas ao plano original, suprimindo uma série de áreas verdes e aumentando os índices construtivos em várias áreas do continente. A Ponta do Ataliba, por exemplo. Passou de 2 para seis andares.
No geral, o novo plano diretor de Florianópolis em relação ao continente trará mais problemas que soluções.