terça-feira, 12 de julho de 2016

O Aburguesamento do Espaço Urbano

A palavra Gentrificação é um neologismo português que vem da palavra em inglês Gentrification. Quando pela primeira vez apresentei aos meus alunos um filme sobre esse processo que aconteceu em Portland, nos Estados Unidos, percebi que a tradução do inglês para o espanhol era muito mais elucidativo: aburguesamento.

Trata-se de um processo, normalmente urbano, que acontece quando áreas, então utilizadas por classes populares, começam a valorizarem-se. Tal valorização espacial, é acompanhada de uma valorização imobiliária (aluguéis, preço dos imóveis) e a população originária, por não poder pagar mais para viver em tais espaços acaba sendo gradualmente sendo substituída por outra com mais recursos financeiros. São inúmeros os exemplos no mundo, mas já podemos observar isto também em Florianópolis: vejam o caso de Cacupé, por exemplo: uma área antigamente ocupada por pescadores, hoje é um bairro de dezenas de condomínios fechados...

Mas isto pode acontecer igualmente com espaço comerciais, normalmente após um processo de intervenção pública,que impropriamente chamam de Revitalização. A palavra Revitalização supõe um espaço sem vida, como se não houvesse vida antes da intervenção. Vejamos o exemplo mais do que atual do Mercado Público de Florianópolis. Valeria a pena uma pesquisa sobre o perfil dos frequentadores do Mercado hoje. Seriam os mesmos de anos atrás ? Ou tivemos ali um claro processo de aburguesamento.

Sobre o atentado homofóbico nos Estados Unidos

Deixei passar alguns dias para manifestar-me sobre o triste acontecimento do final de semana em Orlando, EUA.
A primeira coisa a se dizer é que, ocultar a natureza homofóbica do massacre de Orlando permite a um segmento da opinião pública condenar o acontecido sem colocar a questão em sua raiz mais profunda: a propagação da homofobia nos diversos meios, no mundo e particularmente no Brasil, se faz primeiramente por palavras, até se chegar aos atos de barbárie.
Muito me tocou uma mensagem escrita por um jovem francês após o atentado; a mensagem é universal; ela diz respeito à França, aos Estados Unidos e muito ao Brasil; ele diz:
"nós temos o dever de lembrar que a liberdade de amar é um combate, onde as raízes são também dolorosas e sangrentas, como aquelas pela liberdade de expressão e de muitos outros valores fundamentais hoje, importantes a todos os nossos compatriotas.
Mulheres e homens morrem ainda todos os dias por essa luta: jogados do alto de um imóvel, surrados até a morte no fundo de uma rua, atingidos por balas de revolver no coração de uma noite de festa".
Precisamos lutar por uma sociedade da tolerância e do respeito.

quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

Aumento de Tarifa de ônibus e Mobilidade Urbana


O aumento da tarifa de ônibus e a mobilidade urbana O ano de 2015 começa com  notícias  preocupantes em relação ao nosso cotidiano, principalmente aquelas ligadas à economia: o 

governo federal anuncia medidas de austeridade econômica com perdas inclusive em direitos sociais; o governo estadual aponta para dificuldades de investimentos em obras historicamente necessárias;
no nível municipal, temos notícias de aumento de IPTU em Florianópolis e um aumento significativo nas passagens de ônibus.É sobre esta última questão que eu quero debruçar-me com mais profundidade.
A mobilidade urbana continua sendo tratada de forma errônea pela grande maioria dos governos

 municipais. No discurso, os dirigentes políticos falam em prioridade do transporte coletivo,
mas continuam reféns da lógica economicista no trato da concessão do transporte público às empresas privadas. E isto tem uma explicação: os governos não aceitam encarar o transporte público
como um direito do cidadão, como a educação e saúde. Para eles o transporte público é um serviço e
por isto deve ser rentável àquele que presta tal serviço. Desta forma, a fórmula de cálculo da tarifa é
simples: somam-se as despesas ao lucro das empresas, e divide-se o resultado pelo número de
passagens pela catraca. O valor final é a passagem que cada passageiro paga. Portanto, é apenas o usuário do ônibus quem paga o serviço.
Mas quem causa todo o problema de congestionamentos em nossas cidades é o transporte individual;
esses congestionamentos são responsáveis pela deseconomia causada pelo tempo perdido nas
filas, pelos acidentes, pela necessidade de gestão do trânsito etc. Os países que compreenderam
isto estão taxando cada vez mais os usuários de automóveis e utilizando esses recursos no transporte
coletivo. Em Londres, a municipalidade arrecada mais e 800 milhões de Reais por ano no pedágio urbano e aplica esse valor no transporte público, inclusive em subsídios para diminuir a tarifa.
Aumentar o valor das tarifas dos ônibus afugentará cada vez mais as pessoas do transporte coletivo, o que aumentará os congestionamentos e a pressão pelas caras infraestruturas viárias urbanas.

Pelo direito à mobilidade.

segunda-feira, 10 de novembro de 2014

Qual cidade esperar após as eleições no Brasil?



De maneira geral, a problemática urbana esteve na pauta do debate eleitoral para presidente; o que já é uma grande conquista. Abordou-se o programa Minha Casa Minha Vida, a mobilidade e a violência urbanas.

O país, nos últimos anos, cresceu economicamente. Somos a oitava economia do mundo; sentimos os efeitos desse crescimento em nossas cidades, mas principalmente as externalidades negativas. Parece que quanto mais crescemos economicamente, piores ficam nossas cidades. Embora tenha havido importantes conquistas como os planos diretores participativos e o Estatuto da Cidade, não houve mudanças, nem há novidades na estrutura econômico-social da nossa sociedade e, por consequência, das nossas cidades.

Mas, é preciso ainda apontar outros problemas, além do déficit habitacional e da (i)mobilidade urbana: a ausência de controle estatal sobre a questão fundiária que combata a especulação no preço da terra urbana; a crescente segregação urbana que cria verdadeiras cidades partidas, seja pela auto-segregação – condomínios fechados – seja pela segregação imposta – principalmente favelas; a ausência de um debate sobre a mudança da cultura urbana hoje hegemônica – individualista e desigual – para que possamos discutir temas como equidade, justiça urbana e cidade democrática. Há ainda problemas como a falta de planejamento e a gestão metropolitanos; o crescente processo de empresariamento e privatização da cidade que restringe o solo urbano ao seu valor de troca e a ausência ou insuficiência do papel planejador do poder público.

É verdade que a questão do acesso à moradia é central, mas precisa de uma solução que vá além da construção de moradias nas periferias de nossas cidades, como tem feito o Minha Casa, Minha Vida; este programa exclui da vida urbana milhões de pessoas, além de tornar nossas cidades mais dispersas e, portanto, mais caras, pois a infraestrutura – redes técnicas, transporte coletivo, serviços públicos – precisa chegar nesses espaços pobres de urbanidade. É preciso ainda acrescentar que o Minha Casa é insuficiente quando falamos do combate ao déficit de moradia para as famílias de mais baixa renda.

Por sua vez, os problemas relacionados à falta de mobilidade urbana, apesar da existência de uma lei que estabeleceu uma política nacional bastante avançada, ainda não foram solucionados; somos reféns do carro e de demandas por aumento da infraestrutura viária. Verifica-se que não são apresentadas soluções articuladas com a ocupação do solo urbano; as soluções hoje são pensadas a partir da cidade como um dado a priori; é necessário mudar a própria forma das cidades, para que possamos criar espaços mais propícios para a mobilidade.

É preciso aqui distinguir mobilidade de transporte: o primeiro, é a capacidade de irmos de um lugar a outro; o segundo, são os meios de levar pessoas ou cargas de um lugar para outro. De forma que é possível haver mobilidade sem transporte. Há a caminhada, por exemplo, mas para isto precisamos de cidades que propiciem o pedestrianismo, seja pela proximidade dos objetos urbanos, seja pela qualidade dos espaços. Por outro lado, também é possível existir transporte sem mobilidade, quando, por exemplo, as tarifas do transporte coletivo são tão altas que não permitem o acesso de uma parcela da população a este serviço, aliás, direito.



Elson: “a presidente reeleita, Dilma Rousseff, se tiver vontade política, pode retomar os princípios da Reforma Urbana que indicam que uma mudança definitiva na cidade brasileira precisa de transformações na sua estrutura social e econômica.” (Foto: Alberto Goulart)


No primeiro mandato do presidente Lula, aconteceram avanços importantes na questão urbana; a partir do Movimento Nacional pela Reforma Urbana, houve um processo de institucionalização democrática na gestão da política urbana brasileira. Em 2003, foi criado o Ministério das Cidades como órgão central deste processo; foram criados igualmente conselhos representativos, com destaque para o Conselho das Cidades e formas democráticas de discussão como as conferências das cidades. A reflexão sobre a cidade enriquece-se em forma e em conteúdo.

Infelizmente, alguns anos depois, em nome da governabilidade, o Ministério das Cidades perdeu seu caráter estratégico de reforma e esvaziou-se, inclusive em seu quadro, que perdeu importantes atores comprometidos com profundas mudanças.

A presidente reeleita, Dilma Rousseff, se tiver vontade política, pode retomar os princípios da reforma urbana que indicam que uma mudança definitiva na cidade brasileira precisa de transformações na sua estrutura social e econômica. Qualquer ação visando a melhoria da mobilidade, da habitação ou de qualquer outro elemento da vida urbana precisa preliminarmente do reconhecimento do direito de todos à cidade. Direito à cidade aqui entendido não somente como direito aos direitos fundamentais – necessários e urgentes – mas, de forma mais ampliada, ao direito à vida urbana, à integração social, à sociabilidade.

Por fim, o ideal de transformação da realidade urbana brasileira ainda se encontra presente e essa transformação tem a necessidade do aprimoramento da própria democracia, exigindo do poder público condições institucionais para uma maior participação da sociedade civil.


Obs: texto publicado na Revista Quipr.co (http://quipro.co/2014/11/03/qual-cidade-esperar-apos-as-eleicoes-no-brasil/)

segunda-feira, 7 de julho de 2014

Pelo direito de viver (n)as nossas cidades


A reportagem sobre os brasileiros que compram imóveis na Flórida, publicada no DC no último 6 de maio, corrobora minha hipótese de que a elite brasileira abdicou do sonho de viver a cidade no Brasil. Eu costumo dizer que quando a classe média e média-alta brasileira quer vida urbana ela não se dirige aos centros de nossas cidades; ela toma a direção dos aeroportos internacionais para buscar no exterior essa experiência...
Algumas cidades europeias e americanas propiciam bons modos de vida de urbana: espaços públicos de qualidade, segurança, conviviabilidade. Paradoxalmente, muitos dos que viajam são os responsáveis pela produção imobiliária brasileira e constroem cada vez mais espaços segregados e desprovidos de um mínimo de urbanidade. Há uma falsa compreensão que espaços privados fortificados trazem segurança. Não percebem que as cidades por eles procuradas no exterior têm desenvolvido cada vez mais ações de integração entre o público e o privado e algumas chegam a proibir condomínios fechados e shopings centers sob a alegação que eles destroem o tecido urbano que propicia a urbanidade e mais segurança.
Infelizmente esse modus vivendi tem se expadido para outras classes sociais ao ponto de mesmo os empreendimentos Minha Casa Minha Vida da grande Florianópolis reproduzirem a forma segregada de se viver (n)a cidade.
É preciso que repensar a maneira de construir cidades; é preciso que os produtores imobiliários, mas principalmente os órgãos públicos, compreendam a íntima relação entre produção individual e construção da cidade. Cidades dispersas, espaços segregados, shopings centers não contribuem para construção daquilo que a cidade tem de melhor: a sociabilidade e a convivência urbana. Caso contrário, só restará o caminho para o aeroporto...

terça-feira, 10 de junho de 2014

O teleférico e a Mobilidade Urbana



Mais uma vez assistimos em Florianópolis a uma possível ação da prefeitura municipal desvinculada de um planejamento mais abrangente: a construção de um teleférico ligando o centro da cidade à Universidade Federal de Santa Catarina, passando pelo Morro da Cruz.
Não existe na capital qualquer estudo de conjunto que articule soluções de modo a resolver o grave problema de mobilidade da região conurbada, que envolva os municípios de São José, Palhoça e Biguaçu. É necessário um plano que dê vazão às necessidades de deslocamento da população e de mercadorias em um  território marcado por graves problemas viários, onde há predominância do automóvel sobre outros modais (mesmo transportando menos pessoas que os ônibus e ocupando mais espaço nas vias), com inexistência de maneiras alternativas de fazer a transposição das baías norte e sul, sem um sistema cicloviário abrangente, interligado e seguro, sem calçadas que permitam um pedestrianismo adequado.
Como solução aos graves problemas de mobilidade, a prefeitura impõe (não é uma proposta aberta ao debate público) um sistema caro de bondinhos  (mais de 150 milhões de Reais), de baixa capacidade de transportar pessoas, de alto custo de operação (com alta tarifa ou fortemente subsidiado), de alto consumo de energia e principalmente, desarticulado do resto do sistema de transporte público. O Professor Werner, da Universidade Federal de Santa Catarina, já apresentou várias vezes estudos sobre a baixa capacidade de transporte de pessoas pelo teleférico e seu alto custo de funcionamento.
Com o mesmo custo, seria possível implantar aproximadamente 15 quilômetros de sistema de BRT, considerando não apenas os ônibus articulados de alta capacidade de transporte, mas igualmente a construção de pistas exclusivas, estações de embarque etc.
Seria muito importante para a sociedade se a prefeitura apresentasse as razões de implementação de um sistema tão caro e que não trará mudanças significativas ao nosso cotidiano de engarrafamentos. 

quarta-feira, 21 de maio de 2014

A Política de Pessoas Comuns

A Política de Pessoas Comuns
           
A palavra República, em sua etimologia, vem do latim res publica e significa "coisa pública". Não obstante sua origem estar ligada aos gregos, seu sentido mudou ao longo da história e hoje ela é  vista como um governo no qual o chefe do Estado é eleito pelo povo ou por seus representantes. Ou, dito de maneira mais ampla, um Estado governado por representantes do povo, sem necessidade de ser descendente ou parente de outros governantes. Na República são pessoas do povo que devem compor a classe política.
Temos presenciado, no Brasil, uma descrença crescente nos representantes do povo ao ponto de haver quase uma deslegitimação dos políticos. Isto decorre em grande parte pela distância cada vez maior do político brasileiro das pessoas comuns a quem eles representam. Os políticos parecem acreditar que compõem uma casta seleta da sociedade, o que, em sua essência, seria a própria negação da República.
            O que vimos nas manifestações de junho do ano passado foi algo além de protestos contra   a   realização da   Copa   do Mundo de Futebol no Brasil; foram manifestação contra a forma de governar o país; foram manifestações contra a maneira de gastar os recursos públicos; foram manifestações contra os partidos políticos e contra a forma de fazer política no país. Foram manifestações que reivindicavam mais República.
            Mais República significa mais oportunidades, mais direitos, mais dignidade, mais justiça para as pessoas comuns; tudo isto tem como princípio a igualdade diante do Estado. Ou somos todos iguais diante do Estado ou não somos uma República.
Os políticos, numa República, não podem estar fora da sociedade; precisam vivê-la em intensidade para melhor comprender seus problemas e       assim discuti-los e propor soluções. A República precisa que as pessoas comuns se apresentem para a política; para fazer a boa política; para que as pessoas possam reacreditar na política: uma política feita de pessoas comuns, para pessoas comuns.