quinta-feira, 29 de março de 2012

Participação em Políticas Públicas Urbanas

"O desenvolvimento territorial não pode ser burocrático e centralizado, político-institucional, partidário e mascarado. Precisa ser construído participativamente reconhecendo-se os diferentes sujeitos, os distintos interesses, os anseios, os sonhos, as necessidades; os tempos e os territórios; as temporalidades, as territorialidades e a conquista de autonomia (SAQUET, 2007, p.177). 

Há alguns dias dei uma aula na Universidade de Ottawa, para o curso de Desenvolvimento Internacional, onde, entre outras coisas, falei sobre as condições necessárias para que haja uma participação de qualidade em Políticas Públicas Urbanas. Segundo minhas pesquisas, apresentei as seguintes condições:
- a existência de um desenho institucional que propicie a participação;
- a existência de uma tradução participativa no local onde se está fazendo o planejamento;
- uma honesta vontade política de propiciar a partipação e
- a adesão dos técnicos de urbanismo ao processo participativo.



Perguntado sobre a experiência de Florianópolis na elaboração de seu plano, com base nas condições acima, respondi o seguinte: 
"uma experiência que apresentou forte conflito entre a Prefeitura e a Sociedade Civil,  pois a primeira apresentou fraca vontade política para promover a participação diante de uma Sociedade Civil com tradição participativa, principalmente dos movimentos sociais e de alguns Distritos. Um modelo institucional formal e burocrático em sua origem, mas que evoluiu para uma representação territorial inovadora durante o processo, graças às demandas da população. Os técnicos da prefeitura oscilaram: ora apoiavam a população, ora recuavam. O processo foi interrompido pois o resultado do planejamento oriundo das propostas da população (avançados em muitos aspectos) não foi aceito pela administração da cidade."





terça-feira, 20 de março de 2012

Meu presente para Florianópolis


Pra ti, Florianópolis

Neste dia em que dizem ser teu aniversário, eu quero te desejar tudo de bom.
Tu que a todos acolhes, embora de maneira muito diferente; alias, há muito tempo tu fazes isto; desde o tempo em que teus governantes expulsaram os pobres do Rio da Bulha até hoje quando ignoras muitos deles morando nas mais de sessenta favelas que estão em teu território. Mas acho que não és tu que ignoras os pobres, pois eles também são Florianópolis; é Floripa, este apelido que te deram para atrair turistas e que justifica tantas ações em teu nome. Aliás, não quero te ver tratada por Floripa; marketing de segunda categoria não combina contigo; não precisas, tens essência, tens povo, tens identidade, e isso tudo desde sempre, Florianópolis. Também não és mais Desterro, pois encontramos em ti a terra para viver.

Felicidades por teu aniversário, mas desculpe pelo desleixo com o qual és tratada: como tuas lindas praias podem estar poluídas e a empresa pública responsável por teu saneamento ter lucro e o distribuí-lo para seus diretores? Como pode teu território continuar sendo ocupado sem um mínimo de planejamento, deixando que cada nova ideia, muitas vezes pouco pensada, se instale de maneira irreversível como a Estação de Tratamento de Esgoto na tua sala de visita ou um sistema de ônibus ineficiente e caro?
Não nos queira mal, mesmo que sobre teu território alguns rasguem notas de dinheiro e joguem espumantes caríssimos fora como signo de riqueza (pobres almas), quando tantos nada comem sobre este mesmo território; não nos queira mal mesmo que cubram teus cursos d’água e digam que as enchentes são por causa da chuva intensa; não nos queira mal mesmo que ideias (e obras) mirabolantes te afastem do mar como um aterro em teu centro histórico; não nos queira mal mesmo se a administração municipal ignore aqueles que vivem em teus distritos e clamam por espaços públicos, ciclovias, segurança e melhores condições para se locomoverem.

Te amo Florianópolis; não sou do contra; sou a favor que continues bela e atraente com tua silhueta de mulher curvilínea e não retificada por muros de arrimo.
Te amo Florianópolis e quero te ver sendo construída, mas de outra forma: favorecendo o encontro das pessoas e mostrando que a diferença é riqueza social e não justificativa de segregação.

Te amo Florianópolis com todos os teus sotaques, todas as tuas cores, todas as tuas formas de ver o mundo.
Estes são os votos de quem te conhece desde que nasceu na periferia de teu centro (como tantos outros), de onde, de um ponto de vista privilegiado, pôde ver tua transformação: viu primeiro a prainha onde brincava se encher de areia branca e lodo, vindo do fundo do mar da baía sul; viu a água ficar mais longe e as regatas a remo desaparecerem, assim como os grito das torcidas do Riachuelo, Aldo Luz e Martinelle. Depois viu surgir muitos campos de futebol de areia, espontaneamente, apropriados pela população; mas as estradas precisaram ser construídas e eles também desapareceram, como a favela do Sete, o galpão dos Tenentes do Diabo e parte da quadra de esporte da Escola Básica Celso Ramos onde eu estudava.

Lá no centro também muito coisa desapareceu, mas isto eu só fui entender muito tempo depois.
Que teu futuro nos pertença.



Elson Manoel Pereira
(a Prainha onde eu morava)

sexta-feira, 16 de março de 2012

Morreu um dos maiores brasileiros dos séculos XX e XXI

O pesquisador Aziz Nacib Ab'Saber, um dos maiores especialistas brasileiros em geografia física e referência em assuntos relacionados ao meio ambiente e impactos ambientais decorrentes das atividades humanas, morreu hoje, aos 87 anos. O geógrafo era professor emérito da USP, autor de mais de 300 trabalhos acadêmicos Professor emérito da USP, ele é autor de mais de 300 trabalhos acadêmicos e considerado referência da geografia em todo o mundo. É autor de estudos e teorias fundamentais para o conhecimento dos aspectos naturais do Brasil. Era presidente de honra e ex-presidente e conselheiro da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). Ruth Andrade, secretária-geral da entidade, contou ao Estado que foi uma morte tranquila. "Ele acordou, fez café da manhã para toda a família, sentou-se em uma cadeira, falou "Ai" e morreu." Segundo ela, nos últimos meses o pesquisador estava visitando toda a semana a SBPC por conta da realização do terceiro volume da coleção "Leituras Indispensáveis", ainda a ser publicado. Texto publicado no site da entidade conta que um dia antes de morrer, "o professor, disposto como sempre, fez sua última visita à SBPC, em São Paulo. Em um gesto de despedida, mesmo involuntariamente, ele entregou na tarde de ontem à secretaria da SBPC sua obra consolidada, de 1946 a 2010, em um DVD, para ser entregue a amigos, colegas da Universidade e ao maior número de pessoas." Ruth lembra que ele ainda pediu para que o material seja distribuído a estudantes nos eventos da SBPC. "Será agora a nossa missão", diz. "Acredito que Aziz era um caso raro de casamento entre ser cientista e ser humanista. Ao mesmo tempo em que ele tinha um conhecimento incrível, não só de geografia, mas de várias áreas, ele tinha a perspicácia de fazer a relação desses assuntos com o cotidiano das pessoas", lembra. Apesar da idade, Aziz continuava bastante ativo e polêmico. Em várias oportunidades se mostrou contrário ao alarmismo em torno do aquecimento global, reforçando seu aspecto natural. Recentemente também se manifestou sobre a mudança do Código Florestal no Brasil, criticando a ausência, no texto, de todo o zoneamento físico e ecológico do País, "como a complexa região semi-árida dos sertões nordestinos, o cerrado brasileiro, os planaltos de araucárias, as pradarias mistas do Rio Grande do Sul, conhecidas como os pampas gaúchos, e o Pantanal mato-grossense. Na ocasião, ele chegou a defender a criação do Código da Biodiversidade para contemplar a preservação das espécies animais e vegetais", lembra o texto da SBPC. Fonte: O Estado de São Paulo, 16/03/2012

quarta-feira, 14 de março de 2012

A (ir)responsabilidade da Imagem



Circula em Florianópolis esta imagem como proposta de um metrô de superfície (VLT) para Florianópolis.
Quanta irresponsabilidade. Há alguns meses atrás, o BRT foi lançado com pompas de cerimônia de entrega do Oscar, Acompanhei: para minha surpresa, o que a administração municipal chamou de BRT (Bus Rapid Transit ) era um ônibus emprestado de uma fábrica de carrocerias. Não havia projeto algum. Ora, quem conhece minimamente o conceito de BRT sabe que ele é bem mais do que um ônibus articulado (ou mesmo bi-articlado); o BRT é um sistema de transporte coletivo que necessita de calha exclusiva de rolagem, de projeto global de conexão (não apenas entre os ônibus, mas também com outros modais) e que compõe um Sistema de Mobilidade Urbana e mesmo inter-urbana. O ônibus foi apresentado antes do projeto, ou melhor, em detrimento de qualquer projeto (inclusive do Plano Diretor).
Agora esta imagem (pausa para refletir). O que ela significa?
Onde está o projeto que deu origem a esta imagem? Onde está o estudo Origem-Destino do transporte público de Florianópolis? Qual a relação do VLT com o BRT? Por qual ponte ele vai passar para ir ao Estreito? Por aquela que será construída pelo governo do estado cujo edital de elaboração do projeto foi suspenso ou pela Hercílio Luz restaurada? ou será que pela ponte Colombo Salles, voltando pela ponte Pedro Ivo e tendo que pegar o elevado Rita Maria (que não previu a passagem de um VLT)? Quanto custará o VLT?
Essas imagens (Pontes, VLT, BRT, Viadutos) exparsas, desconexas, mostram o que temos hoje em termos de planejamento em Florianópolis; o Instituto de Planejamento da Cidade foi primeiro desqualificado; depois sucateado e hoje relegado a um plano inexpressivo. O futuro da cidade não é mais pensado: ele será o mosaico resultante dessas idéias que surgem aqui e acolá, ora da cabeça do prefeito, ora do vice-prefeito, ora de um secretário, ora do governo do estado.
Em termos de custos, será que existe algum estudo? Se existe, seria bom vir a público.
Eu tenho alguns dados: de maneira genérica, um estudo da Associação nacional das Empresas de Transportes Urbanos mostra que para construir

Dois Eixos de BRT , com as seguintes características:
- 20 km de via (concreto)                                           R$ 60 milhões
- 6 terminais de integração                                         R$ 60 milhões
- 30 estações intermediárias                                       R$ 16 milhões
- Controle e sinalização                                              R$ 4 milhões
- 80 ônibus biarticulados ou 134 articulados              R$ 80 milhões
Total do investimento                                               R$ 220 milhões

Dois Eixos de VLT (metrô de superfície), para atender aos mesmos objetivos
Total do investimento R$ 808 milhões

No caso de Florianópolis, temos ainda que pensar na travessia das baías, cujo custo não está incluído nos números acima apresentados.
Evidentemente que não é apenas o custo que vai definir a escolha, mas para tomar a decisão de um projeto de uma tal soma, precisamos ser, no mínimo responsáveis e termos um plano metropolitano de mobilidade integrada a outros modais.. 


quinta-feira, 8 de março de 2012

Ainda sobre a Ponta do Coral

Assisti aos dois programas na TV sobre o projeto do Hotel na Ponta do Coral e eles confirmaram  minhas impressões; são duas visões de cidade que estão em disputa: a Cidade-Mercado versus a Cidade-Cidadania. O diálogo entre as duas visões é muito difícil pois partem de pressupostos antagônicos. É compreensível a posição do dono da Empresa que defende seu projeto; é compreensível igualmente a posição daqueles que defendem outro destino para aquele espaço. No entanto, é inadmissível a maneira voraz com a qual o representante do poder público defendeu o projeto; chegou a se adiantar a respoder perguntas destinadas ao dono da empresa, num claro papel de advogado (A palavra advogado deriva do latim ad-vocatus, ou seja, aquele que é chamado em defesa). Suas justificativas para a aprovação do projeto não tiveram o menor fundamento técnico ("são apenas mais seiscentos carros diários na beira mar e diante do grande fluxo que temos, esse número é insignificante" (SIC!!!), numa via já congestionada???), sem contar o já costumeiro argumento tecnocrático da "simulação computacional", como se fosse argumento inquestionável.
Mas eu não gostaria de discutir o projeto em si. Ele terá pessoas a favor e pessoas contra.
Quero insitir de que estamos verdadeiramente numa encruzilhada onde devemos fazer uma escolha fundamental: que cidade realmente queremos?
Analisando o planejamento e a gestão das cidades brasileiras, assistimos a uma disputa de dois paradigmas de política urbana: a cidade-mercado e a cidade-direito. No primeiro, a participação política se daria a partir do reconhecimento dos agentes como clientes-consumidores, portadores de interesses privados, impedindo a construção de uma esfera pública que represente o interesse coletivo, que são normalmente deslegitimados (em Florianópolis são taxados de "contras"). Diluem-se as idéias de totalidade e de cidadania, que perde sua conexão com a idéia de universalidade; divide o espaço político entre hipercidadãos e subcidadãos.
Por sua vez, o paradigma cidade-direito está em construção, “tanto em relação ao aspecto teórico quanto em relação ao da práxis sócio-política” Ele “afirma o papel central do poder público no planejamento urbano e o seu compromisso com o enfrentamento dos mecanismos de produção de desigualdades e exclusão decorrentes da vigência da dinâmica do mercado no uso e ocupação do solo urbano e do controle do poder político pelos históricos interesses patrimonialistas”.


Lutar por uma cidade que inclua o cidadão significa hierarquizar ações, onde, nas prioridades, em termos de cidade, estará a construção de espaços públicos de qualidade.

segunda-feira, 5 de março de 2012

Sem reforma urbana, não se resolverá habitação

Coluna Econômica - 04/03/2012 Luis Nassif Não se irá resolver a questão da habitação no país se não se resolver a questão urbana. O alerta é da arquiteta e urbanista Ermínia Maricato, em relevante entrevista concedida a Bruno de Pierro, da Agência Dinheiro Vivo. Ermínia tem uma ampla folha de serviços no setor, inclusive tendo papel relevante na criação do Ministério das Cidades e do programa “Minha Casa, Minha Vida”. O Brasil já dispõe de uma política de habitação, de saneamento, mas não de uma política urbana. E sem essa política, não se resolverá o problema da moradia do pessoal de baixa renda. É impossível se resolver a questão da moradia sem o concurso do capital privado, diz Ermínia. Mas se não amarrar a questão da moradia à reforma urbana, cria-se um círculo vicioso: o governo estimula o investimento em moradia popular; os terrenos urbanos são escassos; ocorre um movimento especulativo que aumenta o preço dos terrenos e das moradias, reduzindo o alcance dos programas habitacionais. O grande problema é que o planejamento urbano se dá no âmbito dos municípios. E na maioria deles há um franco predomínio do setor imobiliário sobre a prefeitura e a Câmara de Vereadores. Ganha-se no curto prazo. No médio, todos saem perdendo. “Minha Casa, Minha Vida” significou um enorme salto na produção imobiliária, diz ela. Muitas empresas abriram capital, captaram recursos em Bolsa, aliaram-se a capitais de fora e passaram a comprar terras, montando estoques de terrenos. Mas – diz Erminia – num ambiente em que não se muda o Estatuto da Terra, grande parte do dinheiro foi arrecadado para renda imobiliária, lucrando em cima da valorização de terrenos e imóveis. O programa foi muito bem sucedido para atender a classe média – funcionários com estabilidade no emprego, de baixa renda, que correspondiam a 8% do déficit habitacional. As moradias populares ficaram por conta do poder público. Mas a explosão do preço da terra reproduz a exclusão e a segregação. Para as grandes metrópoles, um dos caminhos da reurbanização seriam as “zonas especiais”, que são áreas de interesse social ou ambiental. O centro de São Paulo é um caso típico. Você declara o Centro uma ZEIS (Zona Especial de Interesse Social). A partir daí, faz um estudo. Vai se constatar uma enorme quantidade de imóveis ociosos. A partir daí, a prefeitura tem um conjunto enorme de instrumentos para revitalizar o local. Um deles seria o chamado IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano) progressivo, que foi instituído pela Constituição de 1988. Paga-se mais de acordo com o valor da propriedade. Pelo Estatuto da Cidade, o define-se primeiro no Plano Diretor o que é a função social da propriedade. Depois, as propriedades que não estão cumprindo essa função. Dá-se um prazo, então, para o proprietário construir ou alugar o imóvel ocioso. Vencido o prazo, passa-se à urbanização compulsória: ou constrói ou o imóvel será taxado progressivamente com um IPTU maior. Há a possibilidade também da prefeitura ter o direito de preferência na compra de imóveis, pagando com títulos da dívida. Provavelmente a grande reforma que ainda falta ao país seja a reforma urbana.