quarta-feira, 18 de abril de 2012

Texto de frei Beto

Aceitar que o marxismo conforme a ótica de Ratzinger é o mesmo marxismo conforme a ótica de Marx seria como identificar catolicismo com Inquisição 


16/04/2012 Frei Betto

 O papa Bento XVI tem razão: o marxismo não é mais útil. Sim, o marxismo conforme muitos na Igreja Católica o entendem: uma ideologia ateísta, que justificou os crimes de Stalin e as barbaridades da Revolução Cultural chinesa. Aceitar que o marxismo conforme a ótica de Ratzinger é o mesmo marxismo conforme a ótica de Marx seria como identificar catolicismo com Inquisição.

Poder-se-ia dizer hoje: o catolicismo não é mais útil. Porque já não se justifica enviar mulheres tidas como bruxas à fogueira nem torturar suspeitos de heresia. Ora, felizmente o catolicismo não pode ser identificado com a Inquisição, nem com a pedofilia de padres e bispos. Do mesmo modo, o marxismo não se confunde com os marxistas que o utilizaram para disseminar o medo, o terror, e sufocar a liberdade religiosa. Há que voltar a Marx para saber o que é marxismo; assim como há que retornar aos Evangelhos e a Jesus para saber o que é cristianismo, e a Francisco de Assis para saber o que é catolicismo.

 Ao longo da história, em nome das mais belas palavras foram cometidos os mais horrendos crimes. Em nome da democracia, os EUA se apoderaram de Porto Rico e da base cubana de Guantánamo. Em nome do progresso, países da Europa Ocidental colonizaram povos africanos e deixaram ali um rastro de miséria. Em nome da liberdade, a rainha Vitória, do Reino Unido, promoveu na China a devastadora Guerra do Ópio.

Em nome da paz, a Casa Branca cometeu o mais ousado e genocida ato terrorista de toda a história: as bombas atômicas sobre as populações de Hiroshima e Nagasaki. Em nome da liberdade, os EUA implantaram, em quase toda a América Latina, ditaduras sanguinárias ao longo de três décadas (1960-1980).

 O marxismo é um método de análise da realidade. E mais do que nunca útil para se compreender a atual crise do capitalismo. O capitalismo, sim, já não é útil, pois promoveu a mais acentuada desigualdade social entre a população do mundo; apoderou-se de riquezas naturais de outros povos; desenvolveu sua face imperialista e monopolista; centrou o equilíbrio do mundo em arsenais nucleares; e disseminou a ideologia neoliberal, que reduz o ser humano a mero consumista submisso aos encantos da mercadoria.

 Hoje, o capitalismo é hegemônico no mundo. E de 7 bilhões de pessoas que habitam o planeta, 4 bilhões vivem abaixo da linha da pobreza, e 1,2 bilhão padecem fome crônica. O capitalismo fracassou para 2/3 da humanidade que não têm acesso a uma vida digna. Onde o cristianismo e o marxismo falam em solidariedade, o capitalismo introduziu a competição; onde falam em cooperação, ele introduziu a concorrência; onde falam em respeito à soberania dos povos, ele introduziu a globocolonização.

 A religião não é um método de análise da realidade. O marxismo não é uma religião. A luz que a fé projeta sobre a realidade é, queira ou não o Vaticano, sempre mediatizada por uma ideologia. A ideologia neoliberal, que identifica capitalismo e democracia, hoje impera na consciência de muitos cristãos e os impede de perceber que o capitalismo é intrinsecamente perverso.

A Igreja Católica, muitas vezes, é conivente com o capitalismo porque este a cobre de privilégios e lhe franqueia uma liberdade que é negada, pela pobreza, a milhões de seres humanos. Ora, já está provado que o capitalismo não assegura um futuro digno para a humanidade. Bento XVI o admitiu ao afirmar que devemos buscar novos modelos.

O marxismo, ao analisar as contradições e insuficiências do capitalismo, nos abre uma porta de esperança a uma sociedade que os católicos, na celebração eucarística, caracterizam como o mundo em que todos haverão de "partilhar os bens da Terra e os frutos do trabalho humano". A isso Marx chamou de socialismo.

 O arcebispo católico de Munique, Reinhard Marx, lançou, em 2011, um livro intitulado O Capital — um legado a favor da humanidade. A capa contém as mesmas cores e fontes gráficas da primeira edição de O Capital, de Karl Marx, publicada em Hamburgo, em 1867. "Marx não está morto e é preciso levá-lo a sério", disse o prelado por ocasião do lançamento da obra. "Há que se confrontar com a obra de Karl Marx, que nos ajuda a entender as teorias da acumulação capitalista e o mercantilismo. Isso não significa deixar-se atrair pelas aberrações e atrocidades cometidas em seu nome no século 20". O autor do novo "O Capital", nomeado cardeal por Bento XVI em novembro de 2010, qualifica de "sociais-éticos" os princípios defendidos em seu livro, critica o capitalismo neoliberal, qualifica a especulação de "selvagem" e "pecado", e advoga que a economia precisa ser redesenhada segundo normas éticas de uma nova ordem econômica e política. "As regras do jogo devem ter qualidade ética. Nesse sentido, a doutrina social da Igreja é crítica frente ao capitalismo", afirma o arcebispo. O livro se inicia com uma carta de Reinhard Marx a Karl Marx, a quem chama de "querido homônimo", falecido em 1883. Roga-lhe reconhecer agora seu equívoco quanto à inexistência de Deus. O que sugere, nas entrelinhas, que o autor do Manifesto Comunista se encontra entre os que, do outro lado da vida, desfrutam da visão beatífica de Deus.  

Frei Betto é autor do romance "Um homem chamado Jesus" (Rocco), entre outros livros.

quarta-feira, 11 de abril de 2012

Área de Lazer em Florianópolis é caso de Polícia

 A cidade de Florianópolis sofre mais um duro golpe na luta entre a Cidade-Mercado e a Cidade-Direito. O campo de futebol amador do Palmeiras do Pôrto da Lagôa acaba de ser destruído. Ele era usado há 50 anos por aquela comunidade e, depois de uma luta judicial, um oficial de justiça cumpriu ordem de reintegração de posse dado por uma juíza da capital.
Evidentemente não nos cabe questionar a ação judicial, pois num estado de direito, ela deve ser cumprida.
No entanto, acho que a visão mercadológica mais uma vez prevaleceu; mais uma vez o poder público foi no mínimo omisso e se colocou do lado do capital imobiliário. Antes da decisão da juíza, muita coisa poderia ter sido feita.
Quando falamos em Cidade-Direito, significa ter uma visão de cidade onde prevaleça o princípio do cidadão que utiliza o espaço da cidade no seu dia a dia; o campo do Palmeiras era um espaço comunitário, de sociabilidade, de centralidade para os moradores do Pôrto da Lagoa. Se a prefeitura compartilhasse desta visão, faria tudo para que esse espaço permanecesse como de uso público. Seus administradores alegam que não têm dinheiro...Mesmo se fosse esse o caso, existem hoje ferramentas urbanísticas que poderiam ser usadas para compensar o proprietário do terreno, como a outorga de índices, só para citar um deles.
O contrário da Cidade-Direito é a Cidade-Mercado; visão que acabou prevalecendo. A comunidade perde seu espaço público e de lazer e "ganha" provavelmente mais um condomínio fechado com pessoas completamente alheias ao lugar que vão ocupar.
Perde o Pôrto da Lagôa, perde Flrorianópolis. Ganha o capital imobiliário.
Fico pensando em todas as demandas por espaços públicos das comunidades durante o processo participativo Plano Diretor de Florianópolis: Campo da aviação do Campeche, Vassourão na Lagôa, Parque do Rio Vermelho, etc. Não acredito que, com a visão de Cidade-Mercado prevalecendo, tenhamos possibilidade de ter esses espaços...

Entre o mal gosto e a boa cidade

Aproveitei o final de semana prolongado de Páscoa para viajar um pouco com a família.
É claro que os olhos de um planejador urbano quando viaja vê as coisas de forma crítica (e as vezes não relaxa como deveria). Conheci Toronto e Niágara Falls.

Toronto é uma grande metrópole (2.600 mil habitantes), estilo americano, mas com um cuidado muito grande com sua população e seus espaços públicos. Embora uma quantidade enorme de grandes edifícios envidraçados (de muito bom gosto), os espaços no nível do pedestre são muito bons. Vê-se que houve uma preocupação da relação edificação e espaço público. Muitos parques, espaços públicos de qualidade e transporte público abundante. É uma cidade à beira de um grande lago e o acesso à ele é garantido à população.

A diversidade cultural também chama a atenção: 50% da população é composta de migrantes. Existem ainda alguns resquícios de um urbanismo rodoviarista que a cidade ainda não conseguiu "exterminar", mas este é um legado pesado das grandes cidades da América do Norte que precisará de algum tempo para resolver.

O que mais me chamou a atenção foi a existência de umas ilhas, próximas ao centro da cidade, que foram totalmente preservadas da verticalização e onde o único meio de transporte interno é a bicicleta e o acesso é feito de barcos (não há pontes) (os serviços públicos motorizados são autorizados).

Toronto é uma cidade feita para seus habitantes que os turistas gostam.

Na sequência de fotos vemos o centro financeiro da cidade, a ilha lacustre em frente ao centro

E e o empobrecimento do espaço urbano causado por viadutos de época rodoviarista e que hoje são um problema para a cidade

Outra cidade que conheci foi Niágara Falls, nascida em funcão das belas quedas do rio Niágara. A cidade (não sei se podemos chamar assim) vive do turismo; além da grande quantidade de hotéis, a administração municipal incentivou a implantação de equipamentos de diversão de um mal gosto inigualável; uma Las Vegas mal acabada. Fico imginando a população local vivendo neste espaço...
Niágara Falls é uma cidade feita para o turista; o resultado é detestável do ponto de vista urbanístico.


quinta-feira, 5 de abril de 2012

Publicação sobre o Brasil na revista Francesa "Diplomatie"

Acabou de sair mais um número da Revista DIPLOMATIE com um dossier sobre o Brasil e um artigo meu sobre a participação em políticas públicas no Brasil.
A seguir, a apresentação do número especial sobre o Brasil.

GDD n°8 – Géopolitique du Brésil


En 1941, réfugié au Brésil pour fuir les horreurs de la Seconde Guerre mondiale, Stefan Zweig publie Le Brésil, terre d’avenir. L’écrivain autrichien est séduit par la beauté du territoire, la chaleur, la cordialité et le pacifisme de ses habitants. Cette « terre d’avenir » fut cependant trop souvent cantonnée au statut de puissance en devenir (donc non encore établie). À travers ce rang de puissance émergente, le Brésil parvient difficilement à se faire pleinement entendre au sein d’une communauté internationale dont le jeu semble figé depuis 1945. Dès lors, comment accéder à la table des Grands ? Avec la présidence de Luiz Inácio Lula puis de Dilma Rousseff, le pays adopte une stratégie tous azimuts destinée, d’une part, à faire entendre la voix du Brésil au sein d’un système international verrouillé (par, notamment, un appareil diplomatique particulièrement efficace), et d’autre part, à créer les conditions d’une alternative à la mondialisation. Depuis le premier Forum social, Porto Alegre n’est plus seulement, en effet, le nom d’une ville brésilienne.
Il est devenu synonyme d’une posture de vigilance citoyenne et d’une remise en cause profonde des fondements mêmes d’une mondialisation plus tournée vers les profits financiers que vers le progrès humain. Et ce sursaut a gagné tous les pays. Cette posture brésilienne est le fruit d’une histoire atypique, qui ne s’est pas construite à coup de révolutions ou d’ostracisme, mais sur des valeurs d’ouverture et de tolérance. Car le Brésil est la nation, par delà toutes les autres, qui s’est le plus nourrie du positivisme d’Auguste Comte, jusqu’à l’inscrire dans sa devise nationale (« Ordre et Progrès »). Il n’est donc pas étonnant que Dilma Rousseff ait récemment choisi de se rendre à Porto Alegre et non à Davos.
En juin prochain, elle présidera la Conférence des Nations Unies sur le développement durable (dite « Rio+20 ») qui réunira notamment les délégations des anciennes comme des nouvelles puissances mondiales. L’« ancien monde » est-il préparé à cette « table des Grands » à la mode brésilienne ?
Portfolio – Ordem e progresso

Histoire
Tableau de bord – Le Brésil en quelques dates
Brésil : les enjeux de l’Histoire, entretien avec Denis Rolland, professeur à l’Université de Strasbourg et directeur d’études au Centre d’histoire de Sciences Po (Paris)
Portfolio – Quand le Sahara nourrit l’Amazone

Un État-monde
Tableau de bord – Un État-monde
Brésil : anatomie d’une puissance, par Hervé Théry, directeur de recherche au CNRS-CREDA (Centre de Recherche et de Documentation des Amériques), professeur invité à l’Universidade de São Paulo (USP), et co-fondateur de la revue en ligne Confins
Portfolio – Villes brésiliennes
Tableau de bord – 190 millions d’habitants et trois Brésils
Repères – L’immensité du Brésil ; Mers et fleuves à apprivoiser ; L’espace, un atout maître

Economie & Société
Tableau de bord – L’économie brésilienne ; Grandes entreprises et grandes fortunes
Le Brésil et la crise économique internationale actuelle, par Sergio Abreu e Lima Florencio, consul du Brésil à Vancouver
Focus – Le fer, un trésor du Brésil
Tableau de bord – L’économie brésilienne, forces et faiblesses

La participation au cœur de la politique urbaine au Brésil, par Elson Manoel Pereira, professeur à l’université de Santa Catarina, directeur du laboratoire « Villes et société » et membre du conseil scientifique du Centre d’études et de recherches sur le Brésil de l’UQAM

Géopolitique
Tableau de bord – Géopolitique du Brésil
La Grande Amazonie sud-américaine : un défi pour le Brésil, par Wanderley Messias da Costa, professeur à l’Université de São Paulo, et auteur de Geografia política e geopolítica: discursos sobre o território e o poder et de Dimensões humanas da atmosfera-biosfera na Amazônia
Focus – Le Brésil au Conseil de Sécurité des Nations Unies
Portfolio – Brésil-Afrique : célébration des grands événements et réalisme politique
Le Brésil en émergence : la conciliation de la croissance économique et de la justice socio-environnementale est-elle possible ?, par Anne Latendresse, professeur à l’Université du Québec à Montréal et directrice du Centre d’études et de recherches sur le Brésil (CERB)
Les méga-événements sportifs au Brésil : des jeux pour qui ?, par Mathieu Labrie, candidat à la maîtrise en études urbaines et Pierre-Mathieu Le Bel stagiaire postdoctoral à l’Université du Québec à Montréal – membres du CERB
Focus – Rio+20
Focus – Le Forum social mondial

Stratégies
Tableau de bord – Défense et défis stratégiques du Brésil
Stratégies brésiliennes et moyens militaires, entretien avec Bruno Muxagato, doctorant en relations internationales et enseignant à l’université de Versailles Saint-Quentin-en-Yvelines
Repères – Le front nord ; Le front ouest ; Le front sud ; Le front maritime
Tableau de bord – Qui surveille l’Amazonie ?

Prospective
Tableau de bord – Démographie et énergie : des enjeux d’avenir
Une prospective du Brésil vers 2022, par Paulo Roberto de Almeida, diplomate, professeur d’économie politique au Centre universitaire de Brasilia (Uniceub)

Les Grands Dossiers de Diplomatie n° 8, AREION Group/CAPRI, Paris, avril-mai 2012. 100 pages, 23 x 30 cm, broché (10,95 €)

segunda-feira, 2 de abril de 2012

Por que planejar ?

Image Detail
"Hoje pela manhã, lia o jornal no Metrô,  distribuído por sua própria administração,  onde dizia que o serviço de aluguel de bicicletas da cidade de Montreal seria antecipado em função do  fim prematuro do frio. Chamou-me a atenção os números: 5000 bicicletas distribuídas em mais de 400 estações e 600 km de pistas de ciclovias"
Tão impressionantes quanto os números são as previsões: este ano serão mais 30 km de pistas e em 2015, as ciclovias alcançarão 800 km.
Tudo isto só é possível graças a um planejamento que permite que, segundo um plano global, possa-se incrementalmente acrescendo projetos específicos.
Isto também vale para o sistema de transporte público, para os espaços públicos, para o sistema viário (eles preveem a substituição de uma ponte de 6 km em 2025, cujo estudo de impacto ambiental vai durar dois anos) etc.Tudo seguindo um plano geral e de longo prazo.

 Penso em Florianópolis: projetos e obras desconexas uma das outras e não seguindo qualquer visão de cidade. O governo do Estado contratou por seis milhões de reais um estudo sobre metrô de superfície; paralelamente a prefeitura fala em BRT e o coloca na Beira Mar Norte antes mesmo de ter o estudo finalizado; o governo do Estado contratou um projeto para a quarta ponte e a colocou num dos lugares mais congestionados da cidade; já a prefeitura prefere um túnel, sem qualquer estudo de viabilidade. Depois de apresentar o projeto (muito bem pago) o governo de Estado voltou atrás e contratou outro estudo: agora de um túnel. A prefeitura contratou um projeto para a duplicação de rua dep. Antônio Edu Vieira e "esqueceu" da via exclusiva para o BRT , assim como construiu vários viadutos na cidade que não possibilitam a passagem desse tipo de ônibus em calha própria. Tudo isto antes de elaborado o plano diretor para a cidade, que se constituiria no plano global necessário para articular todos esses projetos.

Sem um plano, a administração cidade segue reagindo aos problemas pontuais, que surgem aqui e acolá. As idéias surgem na cabeça de alguns e antes de qualquer estudo mais profundo (até porque o órgão encarregado do planejamento da cidade foi desmantelado) vão a público como soluções definitivas. E a cidade segue sem resolver seus problemas...