De maneira geral, a problemática urbana esteve na pauta do debate eleitoral para presidente; o que já é uma grande conquista. Abordou-se o programa Minha Casa Minha Vida, a mobilidade e a violência urbanas.
O país, nos últimos anos, cresceu economicamente. Somos a oitava economia do mundo; sentimos os efeitos desse crescimento em nossas cidades, mas principalmente as externalidades negativas. Parece que quanto mais crescemos economicamente, piores ficam nossas cidades. Embora tenha havido importantes conquistas como os planos diretores participativos e o Estatuto da Cidade, não houve mudanças, nem há novidades na estrutura econômico-social da nossa sociedade e, por consequência, das nossas cidades.
Mas, é preciso ainda apontar outros problemas, além do déficit habitacional e da (i)mobilidade urbana: a ausência de controle estatal sobre a questão fundiária que combata a especulação no preço da terra urbana; a crescente segregação urbana que cria verdadeiras cidades partidas, seja pela auto-segregação – condomínios fechados – seja pela segregação imposta – principalmente favelas; a ausência de um debate sobre a mudança da cultura urbana hoje hegemônica – individualista e desigual – para que possamos discutir temas como equidade, justiça urbana e cidade democrática. Há ainda problemas como a falta de planejamento e a gestão metropolitanos; o crescente processo de empresariamento e privatização da cidade que restringe o solo urbano ao seu valor de troca e a ausência ou insuficiência do papel planejador do poder público.
É verdade que a questão do acesso à moradia é central, mas precisa de uma solução que vá além da construção de moradias nas periferias de nossas cidades, como tem feito o Minha Casa, Minha Vida; este programa exclui da vida urbana milhões de pessoas, além de tornar nossas cidades mais dispersas e, portanto, mais caras, pois a infraestrutura – redes técnicas, transporte coletivo, serviços públicos – precisa chegar nesses espaços pobres de urbanidade. É preciso ainda acrescentar que o Minha Casa é insuficiente quando falamos do combate ao déficit de moradia para as famílias de mais baixa renda.
Por sua vez, os problemas relacionados à falta de mobilidade urbana, apesar da existência de uma lei que estabeleceu uma política nacional bastante avançada, ainda não foram solucionados; somos reféns do carro e de demandas por aumento da infraestrutura viária. Verifica-se que não são apresentadas soluções articuladas com a ocupação do solo urbano; as soluções hoje são pensadas a partir da cidade como um dado a priori; é necessário mudar a própria forma das cidades, para que possamos criar espaços mais propícios para a mobilidade.
É preciso aqui distinguir mobilidade de transporte: o primeiro, é a capacidade de irmos de um lugar a outro; o segundo, são os meios de levar pessoas ou cargas de um lugar para outro. De forma que é possível haver mobilidade sem transporte. Há a caminhada, por exemplo, mas para isto precisamos de cidades que propiciem o pedestrianismo, seja pela proximidade dos objetos urbanos, seja pela qualidade dos espaços. Por outro lado, também é possível existir transporte sem mobilidade, quando, por exemplo, as tarifas do transporte coletivo são tão altas que não permitem o acesso de uma parcela da população a este serviço, aliás, direito.
Elson: “a presidente reeleita, Dilma Rousseff, se tiver vontade política, pode retomar os princípios da Reforma Urbana que indicam que uma mudança definitiva na cidade brasileira precisa de transformações na sua estrutura social e econômica.” (Foto: Alberto Goulart)
No primeiro mandato do presidente Lula, aconteceram avanços importantes na questão urbana; a partir do Movimento Nacional pela Reforma Urbana, houve um processo de institucionalização democrática na gestão da política urbana brasileira. Em 2003, foi criado o Ministério das Cidades como órgão central deste processo; foram criados igualmente conselhos representativos, com destaque para o Conselho das Cidades e formas democráticas de discussão como as conferências das cidades. A reflexão sobre a cidade enriquece-se em forma e em conteúdo.
Infelizmente, alguns anos depois, em nome da governabilidade, o Ministério das Cidades perdeu seu caráter estratégico de reforma e esvaziou-se, inclusive em seu quadro, que perdeu importantes atores comprometidos com profundas mudanças.
A presidente reeleita, Dilma Rousseff, se tiver vontade política, pode retomar os princípios da reforma urbana que indicam que uma mudança definitiva na cidade brasileira precisa de transformações na sua estrutura social e econômica. Qualquer ação visando a melhoria da mobilidade, da habitação ou de qualquer outro elemento da vida urbana precisa preliminarmente do reconhecimento do direito de todos à cidade. Direito à cidade aqui entendido não somente como direito aos direitos fundamentais – necessários e urgentes – mas, de forma mais ampliada, ao direito à vida urbana, à integração social, à sociabilidade.
Por fim, o ideal de transformação da realidade urbana brasileira ainda se encontra presente e essa transformação tem a necessidade do aprimoramento da própria democracia, exigindo do poder público condições institucionais para uma maior participação da sociedade civil.
Obs: texto publicado na Revista Quipr.co (http://quipro.co/2014/11/03/qual-cidade-esperar-apos-as-eleicoes-no-brasil/)